quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Carta à Hilda Hilst - P. Alegre, 14 de junho de 70.


Não tenho escrito com mais freqüência porque não tenho tempo: passo a manhã inteira na faculdade, a noite no curso de arte dramática, à tarde preciso estudar (estamos em exames), escrever, filmar, fazer montes e montes de coisas. Ando muito esgotado, durmo só umas cinco horas por noite (logo eu, que se pudesse dormia umas 20), andei também ruim do coração, meu ritmo cardíaco estava a mais de 200 pulsações por minuto, precisei fazer um tratamento, não posso fazer esforço, nem tomar álcool, estou proibido de fumar mas não ligo. Algumas brigas terríveis em casa: andei fazendo umas experiências com mescalina, meus pais descobriram, foi aquele forró. Ando deprimido, agressivo, cansado —perdi uns cinco quilos: pareço um fantasma, tenho insônia e pesadelos horrendos, idéias negras durante a noite. Hildinha, se você soubesse como ando escuro, como ando perdido, como me distanciei de mim e das coisas em que acreditava: tenho participado de festas louquíssimas, na base da maconha, da nudez, jogo da verdade, bacanais, surubas. Por favor, queria tanto que me compreendesses. Ando muito sozinho, nessas festas se reúnem artistas plásticos, atores, atrizes, escritores — todos jovens, perdidos, desesperados — é uma coisa terrível. Chega a ser comovente a maneira errada como eles buscam a pureza, como eles tentam se convencer que os bacanais são a forma mais absoluta de comunicação: finjo o tempo todo, rio, sou alegre, dispersivo, com aquele brilho superficial e ridículo. E em cada fim de noite me sinto um lixo. Há tempos estou vivendo uma estória-deamor-impossível que rebenta a saúde: sei que não dá pé de jeito nenhum e não consigo me libertar, esquecer — estou completamente fixado nessa pessoa, vivo todas as horas do dia em função de encontrá-la, à noite. E insuportável. Sei que estou me autodestruindo, mas isso já não me assusta: penso se não será melhor afundar, afundar até acabar numa clínica. A juventude de Porto Alegre é uma coisa terrível: 90% de viciados em tóxicos, todos fugindo de si, das máquinas, do fazeralguma-coisa. Acho que quem está de fora não pode condenar, condenar simplesmente é desprezível — é preciso compreender. Existe uma sede de amor impressionante. Estou sendo muito honesto ao te contar essas coisas, poderia facilmente escondê-las: sei que me arrisco a te chocar, te ferir, te agredir. Mas eu nunca quis ser gostado por aquilo que não sou ou aparento ser. Não vejo saída, Hildinha, sinto que cada vez mais tudo se fecha. Também não adianta pedir ajuda a ninguém, ninguém pode dar. Talvez isso passe, não sei quando, talvez seja só uma fase, das mais dificeis que atravessei, mas até passar estarei me desgastando, me consumindo. Tenho chegado a extremos que não me julgava capaz. E como isso dói.
A antologia de contos foi lançada (estou mandando um exemplar) com muita badalação. Está vendendo bem. Vivi a experiência de uma tarde de autógrafos: me senti tolhido, constrangido, inibido. A imprensa anda me badalando muito. Mas descobri finalmente como tudo isso quer dizer pouco: o bom no escrever é o momento da criação, da vibração, da comunicação com o incognoscível que nos dita as coisas a serem escritas — o resto é lixo. A inveja é um fato: certas pessoas têm me agredido muito, na faculdade, na rua, geralmente intelectuais no mau sentido, frustrados e medíocres. Tenho horror desses rebucetes, rodinhas e frescuras literárias: procuro ficar na minha, sempre. Digo a todos os repórteres que não me sinto um escritor: que sou só um ser humano procurando um jeito de viver. E que talvez esse jeito seja escrever, sei lá. Meu livro está quase pronto, deverá ser lançado em breve. Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que eu escrevi.Não sei mais o que te escrever, estou muito confuso, muito distraído. Pressinto muito próximo o fim de alguma coisa que não sei especificar qual seja. Mas não se preocupe muito comigo, não vale a pena. Acho que sou bastante forte para sair de todas as situações em que entrei, embora tenha sido suficientemente fraco para entrar. Não faço planos, não sei o que vai acontecer amanhã. É só, Hildinha. Um beijo enorme do seu,

Caio Fernando Abreu.

PS — Depois de reler — não é tão grave assim. Fui muito dramático. Faça boas vibrações por mim. Por favor, compreenda tudo. E escreva logo. Abraços no Dante."




"Sabe, eu não tô pedindo demais

"(...) Hoje eu quase chorei. Mas é porque não tem ninguém pra me escutar, pra me dizer “vem cá” ou “senta aqui que a gente vai resolver teu problema”. E o meu problema sou eu mesma e como se livra de si mesmo? E nem você, nem você me escuta, me ouve, me entende. E tudo a minha volta está me empurrando cada vez mais para dentro de mim. Eu perdi o gosto, eu perdi o tom, eu não sei qual é a rima. Não sei o que é esta vida. Só quero dois ouvidos e nem precisa prestar atenção, entende? Concorda, discorda. Mas é só me consolar, deixar eu botar a cabeça no teu ombro e respirar fundo. Ah, como eu não queria ter mudado tanto. Que merda foi essa que deu na minha vida?

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lar não é um lugar. Lar é alguém.

Difícil tentar entender que daqui alguns meses cada um seguirá seu rumo, sua vida, deixando várias coisas para trás das quais farão muita falta futuramente. Deixarão tantas saudades que marcas internas vão se formar. Lágrimas cairão dos olhos daqueles que se consideram amigos de verdade. Difícil é entender a vida... Por que os problemas não são iguais para todos? Porque nós não podemos resolver tudo juntos? Seria tão simples ter aqueles que amamos por perto. Mas de qualquer forma a vida nos mostra rumos diferentes e difíceis, a fim de nos fazer aprender com os tombos. E só nos resta fazer escolhas que poderão comprometer nossos destinos, poderão abrir portas, traçar novos percursos e enxergar diferentes luzes, cores e sentimentos. Mas eu ainda não sei de um monte coisa. Por exemplo, não sei o que almoçarei amanhã, nem como será meu próximo fim de semana. Mas eu sei que esse momento de emoções sólidas, quase palpáveis, que estou vivendo agora é algo único. Sinto que algo em mim se eleva, que meus olhos enxergam mais longe agora, e eu devo isso à mim e à muitas outras pessoas; conhecidas, desconhecidas, tanto faz. Apenas pessoas que com uma palavra atribuem algo a mais ao meu ser, sempre caminhando em frente. Mas é duvidoso, eu não preciso ir sempre em frente, posso virar na próxima esquerda e ver no que vai dar. Eu não sei, você não sabe. Mas eu sei que sentirei uma falta inimaginável daqueles que ficarão no meu coração para sempre. Daqueles que me arrancarão sorrisos no rosto por ter conhecido. Daqueles que tenho orgulho de caminhar ao lado para acompanhar, de me colocar na frente para defender, e de ficar atrás para segurar quando alguma ventania do mundo tentar derrubá-los. Eternamente caminhando, e pra onde vou será sempre um mistério. Cada dia uma nova parada. Mas de apenas observar, sinto cada vez mais o gosto perigoso e alucinante da vida contra mim. Pois que venha.